2 de outubro de 2009

Discussões sobre conceito de arte

No dia 24 de setembro, Branca, juntamente com a educadora Luciana Nobre propuseram o curso Discussões sobre conceitos de arte: o objeto, o museu e o público, que fez parte da 3ª Primavera de Museus, no Museu Lasar Segall.Neste curso foi possível discutir e mapear as mudanças no conceito de arte, pensando nos eixos históricos Arte Acadêmica, Moderna e Contemporânea e em como o objeto artístico, o museu e o expectador se articulam em cada período. Para isso as educadoras utilizaram reproduções de imagens e trechos de textos teóricos e também a experiência com o objeto artístico que se deu com obras de Lasar Segall no espaço expositivo do Museu e também com duas obras contemporâneas, “Objetos para Performance”de Luciana Nobre e “Coleção História da Arte Anníbal e Branca”.


escolha de trechos de textos e reproduções e experiência com as obras " Coleção História da Arte Anníbal e Branca" e "Objetos para Performance"

Instruções em um papelaria

Como artista contemporânea que sou, foi a papelaria para pesquisar preços de materiais. Qual foi minha surpresa e euforia ao me deparar com objetos descontextualizados dentro da papelaria. Talvez descontextualizados não seja a melhor palavra, mas em outro contexto, pois em uma prateleira, ao lado de cadernos, canetas e lapiseiras, havia um display com objetos dentro de caixas, cada um deles com instruções para um uso diferente deste objeto, como macarrão instantâneo para fazer discurso político, copo vazio para escutar uma sala vazia, pilhas para correr ladeira abaixo, castanholas para acordar um galo.
Coleção Objetos para Performance, Luciana Nobre, 2008

Estas instruções me fizeram lembrar das obras de Yoko Ono, onde apenas com instruções ela sugeria atitudes diferentes para o cotidiano.
O trabalho de Luciana Nobre, o nome da artista em questão, vai além das instruções de Yoko, pois além de pensar em objetos de outras maneiras, ela busca discutir essa relação com o público e traz a arte para um universo contemporâneo, ou seja, o próprio cotidiano, desloca o objeto do museu e junto com ele a atitude do espectador, que olha a princípio uma mercadoria que não pode ser adquirida, um objeto que tem uma sugestão de uso, mas não pode ser usado de fato, sua manipulação também só se dá através da embalagem, sua real utilização permanecerá na idéia, como as instruções da Yoko.
Ao colocar na papelaria os “Objetos para Perfomance” discute os lugares de legitimação da arte, mas busca a sua própria legitimação como objetos comuns, eles estão no limite do cotidiano e da arte, da cultura de massa e da cultura acadêmica, do museu e do mundo.


16 de agosto de 2009

O Renascentista e O Barroco

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Dois oponentes, duas facções. A afirmação do positivo sobre o negativo. A contestação desgastada do maniqueísmo.
Enquanto um procura a ordem, o segundo busca o caos. Um cerra-se no seu próprio mundo, busca a compreensão de sua existência com espelho invertido do seu modelo idealizado. O outro, mira o externo, o aberto e o universo; passionalmente celebra a existência por si própria, como parte pulsante dela.
Racionalidade e Emotividade.
Incompatibilidade trajetual.
Um, desmantela a ordem para organizar; o outro, determina para libertar.
Ambos caminham firmes, eles fingem a não-existência alheia, como aceitação de si mesmos. Não se comunicam, muito menos coexistem no mesmo encerramento físico. Alimentam a incompatibilidade dos seus gênios.
Picasso e Matisse.
O artista espanhol quebra os paradigmas para estabelecer outros tão normativos quanto os que foram contestados. Já o artista francês aparenta a aceitação, não alardeia as diferenças, as subverte emotivamente.
São “Michelangelos”, linhagem clara.

Michelangelo Buonarroti. ‘Capela Sistina’, 1508-12.


Pablo Picasso. ‘Guernica’, 1937.

Picasso herdou a habilidade do desenho e a sua pintura possui a inquietação camuflada de Buonarroti. A “Sistina[1] de Picasso está localizada na dor racional de “Guernica[2]. Se a morte lhe é incabível em sua obra monocromática, também o é para Adão que olha para seu criador indignado pela não-compreensão da vida e das suas agruras, estampado no teto de Roma. As “mulheres chorando[3] do pintor moderno contêm o desejo incompreensível que esse possui por aqueles seres frágeis, do mesmo modo que os “escravos[4] denotam a força de um sentimento indomável, intrínseco ao pintor italiano, que supera a tesa musculatura de sua obra. O etéreo lhes foge à concepção. Disfarçam suas impossibilidades e limitações perturbadoras na grandiosidade de suas obras[5].

Pablo Picasso. ‘Mulher Chorando’(Femme en Pleurs), 1937.

Michelangelo Buonarroti.

Escravo Morrendo’, 1513-16.

Em contrapartida, Matisse se aproxima de outro Michelangelo. Di Merisi. Vulgo Caravaggio. Ele e Matisse partilham de uma dimensão que lhes é comum, porém distinta dos artistas anteriores, a expressão do pulsar sentimental. Seus personagens são libertos do receio do olhar alheio e, consequentemente, sem censuras limitadoras de sua existência. Tornam-se reais. Suas emoções estão à flor da pele com as cores que lhes representam. Se a “Virgem[6] se acinzenta pela vida que lhe esvai na obra do pintor italiano; as “banhistas[7] de Matisse se inflam da condição oposta, viver intensamente, pela intensidade das cores que preenchem a tez de seus corpos. A condição de vida das personagens e de seus feitores não lhes restringe, ao contrário, amplia os limites de sua existência. Expandem-se escancaradamente provocativos que incomodam aos enclausurados.



Caravaggio. Michelangelo Di Merisi.
A Morte da Virgem’, c.1601-1603.

Contudo, todos os quatro são antagonicamente semelhantes.
Todos eles, gênios. Não, românticos e sim, hábeis.
Hábeis em uma infinidade de ações, de verbos.
Fazem, acreditam, observam, cultivam, associam, ousam, acertam, erram, aprendem, apreendem.
Mas há uma habilidade que possuem em especial. A habilidade da coragem inerente às pessoas que desafiam Cloto, Láquesis e Átropos[8]. A eles é inerente a segurança do conhecimento prévio. De que o que está por vir a eles pertencem e por eles é feito.

Henry Matisse. ‘Luxúria, Calma e Volúpia’, 1904-05.


[1] Michelangelo Buonarroti. ‘Capela Sistina’, 1508-12, afresco. Vaticano, Roma.
[2] Pablo Picasso. ‘Guernica’, 1937, óleo s. tela, 350 x 782 cm. Centro Nacional de Arte Rainha Sofia, Madrid.
[3] Pablo Picasso. ‘Mulher Chorando’(Femme en Pleurs), 1937, óleo s. tela, 84,7 x 73,9 cm. Tate Gallery, London.
[4] Michelangelo Buonarroti. ‘Escravo Morrendo’, 1513-16, mármore, alt. 229 cm. Museé du Louvre, Paris.
[5] Grandiosidade da sua habilidade artística e também das dimensões físicas de suas obras.
[6] Caravaggio. Michelangelo Di Merisi. ‘A Morte da Virgem’, c.1601-1603, Óleo s. Tela, 369 X 245 cm. Museé du Louvre, Paris.
[7] Henry Matisse. ‘Luxúria, Calma e Volúpia’, 1904-05, Óleo s. Tela, 98.5 X 118 cm. Museé National D'art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.
[8] Cloto, Láquesis e Átropos são os nomes das Moiras, filhas de Nix (a Noite), são responsáveis pelo destino dos homens. Tecem, enrolam e cortam o fio de ouro que determina a vida de cada mortal. (Mitologia Grega)

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15 de agosto de 2009

Revisto e Visto (Figurinhas Carimbadas II)

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Revisto e visto.
Como dito e redito, figurinhas carimbadas, estamos aqui, novamente.
Quanta insistência!

O fato é que recebemos um email do 8º Salão de Arte de Jataí, Goiás, sobre a exposição 
que ocorreu e a visitação da obra "Coleção de História da Arte Anníbal e Branca". Conforme a organização, o salão surpreendeu pela quantidade de visitantes à exposição. Ao lado e abaixo apresentamos imagens da obra exposta no salão e o link dos posts colocados no blog da Secretaria da Cultura de Jataí.



Foto da obra "Coleção de História da Arte Anníbal e Branca" na exposição no MAC de Jataí, 2009



















Fotos da visitação à exposição no dia da sua abertura.

13 de agosto de 2009

Cale, Calle! (Uma exposição, uma obra, vários posts)

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Velhos hábitos sempre retornam

Algumas coisas que faço são na contramão da onda vigente. Em outras, sou bem animal adestrado. E eu exemplifico, enquanto em 1982, as filas dobravam a esquina(1) para ver ET de Spielberg, eu ignorava-o. Achava absolutamente ridículo as pessoas irem ao cinema para ver uma história sobre um ser de outro planeta. Uma atitude verdadeiramente adolescente, o que eu era na época. Nesta fase, a maioria dos meus amigos sonhava um dia em ir para os Estados Unidos, de preferência uma cidade bem ostentosa ou notoriamente yuppie, algo entre Miami e Nova Iorque(2), eu por sua vez gostaria de estar sentado no meio das ruínas romanas.
E assim foram: roupas, músicas, sonhos, vontades, desejos, todos na contramão. Isto não é motivo de glória, como qualquer filosofia oriental diria, tem seus vieses e reveses.
Apesar de mais velho, algumas vezes o adolescente volta à tona e retoma velhos hábitos, principalmente com filmes, peças de teatro e exposições. Ocorreu novamente com a exposição de Sophie Calle: “Prenez soin de vous” (Cuide-se), no Brasil interpretado por “Cuide de você”.
Mesmo sendo um apreciador do seu trabalho, já o conhecia anteriormente, resisti a visitar a exposição, afinal tanto a mídia impressa quanto a televisiva causou um estardalhaço tão grande sobre a autora e sua obra que desestimulou a minha vontade de ver a obra. Porém, após três semanas, não tinha como deixar de comparecer, obrigações do ofício.

Paradigmas e boa companhia

Tratei de arranjar boa companhia(3), escolhi um dia ensolarado e empreendi- me à busca de novas percepções. Chegamos ao Sesc Pompéia lembrei-me que era domingo e deparei-me com um ambiente com um número considerável de pessoas dispostas a encontrar o seu lazer semanal (um aparte, eu sempre achei interessante essas quebras de paradigma, uma exposição em ambientes quase praianos, pois essa unidade em particular só falta a areia junto ao espelho d’água que a Lina Bo Bardi fez no interior de um dos ambientes, para assim sê-lo).
Na porta da exposição-instalação, uma cortina preta encerra a diversão e subverte felicidade em seriedade. A parede branca, o pé-direito duplo e o silêncio dos transeuntes estabelecem a ordem esperada em uma instituição museológica. Agora, meros mortais, como eu, prostram-se diante da divindade cultural. Silêncio, Cochichos, Luzes focadas aos pedestais inexistentes e Imagens elevadas sobre as paredes tornam sagrados os pilares do conhecimento.

O Falso Sentimento.

Cerrada entre as paredes, 107 mulheres, ou melhor, 108; ou seria somente uma? Que seja. “Cuide de você”.
Vídeos, uma parede repleta. Fotos de pessoas, atrizes coadjuvantes a uma folha de papel. O que se apresenta são memórias sentimentais. E isso, mulheres em geral, vocês são peritas. Estas são apresentadas continuadamente. Sem interrupções. Respostas e mais respostas. Interpretações.
Sejam por imagens estáticas e produções por pedaços de papéis, sejam por imagens em movimento captadas por um olhar estático.
O que parece é que Sophie Calle quer fazer da câmera o olhar do observador, o visitante da exposição, através de uma fresta de intimidade se confronta com a intimidade alheia. Aparentemente, a intimidade da artista, de Calle, mas não. A intimidade que se vê são das pessoas, das 107 mulheres-intérpretes que assumem o lugar de receptora do agente separador. O e-mail de rompimento de X (4), pseudônimo dado pela artista ao seu ex-companheiro.
Neste momento, eu vi-me absolutamente ludibriado, tanto pela obra quanto pela sua feitora. A dor do rompimento, propulsora do fazer artístico não estava presente. O que via a minha frente eram mulheres que de algum modo em seu íntimo passaram ou passarão pela situação. Um relacionamento de forte envolvimento sendo rompido. O que se apresentava era uma simulação. Um falso sentimento de dor de amor que não existia.

A Boa Interpretação

Entretanto, do mesmo modo que as pré-elaborações esperadas foram desmanteladas, outras percepções foram feitas. Fiquei admirado com alguns dos trabalhos apresentados, possuem uma sensibilidade ímpar. Os mais próximos do sentimento celebrado são, em geral, de intérpretes profissionais. Uma atriz lendo em off, sentada em um banco no meio da multidão que não percebe o seu penar; a bailarina de dança oriental; a clown e sua peculiar apresentação e interpretação e por mais banal que pareça; a italiana, seu tom cômico-dramático e suas cebolas companheiras e Jeane Moreau, lendo a carta como se fosse um personagem teatral a ser decifrado, para citar umas poucas.
Então o questionamento que invadiu a minha cabeça foi, se a autenticidade com o tema, ao meu entender, não foi cumprido, por que a obra é tão divulgada e dissecada tanto pela imprensa quanto pela crítica especializada? Que aura surpreendente o trabalho e a artista possuem para atrair tanta atenção?(5)
Infelizmente, não foi nesta visita que consegui sanar a minha inquietação. Saí da exposição satisfeito, afinal, certos paradigmas pessoais foram quebrados e como apreciador da arte, ver pessoas cúmplices a um trabalho, integradas ao discurso do artista, é um grande estímulo. A arte como linguagem e meio de expressão humana pode ser abrangente a todo ser humano.


Anotações desnecessárias...
(1) Eu sou da época que os cinemas de rua eram a maioria e preferíamo-los aos de locais fechados.
(2) Creio que sou um dos poucos que ainda traduzem os nomes de localizações em território estrangeiro. O que mais me pasma neste assunto, ler em artigos conceituados a semitradução, neste exemplo, New Iorque ou Nova York.
(3) Exposições e peças de teatro são os dois programas que gosto de ir acompanhado, a cumplicidade em participar e os comentários posteriores, para mim, trazem sensações indescritíveis.
(4) Achei interessante a escolha da letra, simbólica assim por dizer. Entre tantas associações: a resposta correta; o mapa da mina; a localização da dor/amor... Contudo a letra X, neste instante, é o gene feminino, que foi subvertido por Calle para representar o masculino.
(5) Afinal, até eu estava lá e posteriormente retornei. (risos)

Méritos devidos...
Ilustração 01 - Still do filme ET de Steve Spielberg de 1982. A atriz Drew Barrymore e o protótipo de silicone com dedinho luminoso.
Ilustração 02 - "Êxtase de Santa Teresa", Bernini (foto de Milthon Mic)
Ilustração 03 - foto de Francesco Catalano
Ilustração 04 - foto do do California Institute of the Arts
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Cale, Calle! (Impressões "Espasmódicas")

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Uma esperneia, outra gesticula.
Uma se silencia, outra se esganiça liricamente.
Enquanto uma atira, outra abraça o travesseiro.

Porém as ações não são só antagônicas em suas relações. Aproximam-se por grupos: analíticas, passionais, agressivas, irônicas, passivas, rejeitadas,...
Todas elas mulheres! Todas Sophie Calle.

Cuide de você. Ela cuida de todas.
Todas fazem Sophie.

Uma obra de gênero. Feminino.
Não, mulher. Não, homem. Sim, feminino.
Feminino, por ser complexo. Segue meandros que o racional do gênero oposto, sócio-cultural ou não, nem por perto passa.

Feminino, por ser verborrágico e silencioso.
Ora os ruídos propositais, ora o silêncio infindável.
Ambos incomodam. Ambos desatinam.
Ambos são “invasivos” e ensurdecedores.
Diz o masculino:
Cale, Calle!

Não se cala, repete imagens.
Repete conceitos.
Sophie é POPCONCEITUALMINIMAL*.
Menos conceitual. Mais pop e minimal.
Dor própria, lembranças alheias.
Ícones femininos, projeção própria.
Repetição formal.


Mídia.

23 de julho de 2009

Arte e Cultura na Sala de Aula - Rede do Saber

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No dia 29 de maio, Anníbal foi convidado a participar de uma videoconferência no canal governamental da Rede do Saber, ligada à Secretaria Estadual da Cultura do Estado de São Paulo. A videoconferência teve como tema a Arte e Cultura na sala de aula com ênfase a importância e as comemorações do Ano da França no Brasil.
A organização do evento foi iniciativa do Centro Paula Souza de Ensino do Esta
do de São Paulo, organizado pela Profª. Lucília dos Anjos Felgueiras Guerra do CETEC.
Participaram também da videoconferência a Drª Ligia Ferreira, diretora cultural da Aliança Francesa e uma das organizadoras do evento do Ano da França no Brasil e a Profª Esmeralda Serpa, professora da Área de Hospitalidade e Lazer do Centro Paula Souza.

O link para a videoconferência está abaixo, esperamos que aproveitem.


Ao acessar o link abrirá a seguinte página.






Clique na seta ao lado do campo escrito “listar todos registros” e selecione “realizar uma busca”, aparecerá os campos apresentados na figura ao lado.
Escreva no campo em branco, ao lado do campo escrito título, “Arte e Cultura na Sala de Aula”. Em seguida aparecerá listado abaixo a videoconferência. Para assistir, clique no ícone do Windows e aguarde para assistir a videoconferência.
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17 de junho de 2009

Racionais e Sensíveis, o trabalho de Adriana Affortunati

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Adriana Affortunati. O que me guardo, 2007

A experiência, a possibilidade que algo que nos passe ou nos aconteça...requer um gesto de interrupção.....parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender opinião, suspender o juízo, suspender a vontade...cultivar a atenção...
Jorge Larrossa

Adriana Affortunati. O que me invento, 2008

As palavras de Larrossa são a melhor maneira de descrever a sensação proporcionada pela obra O que me invento, 2008 de Adriana Affortunatti. Um espaço que instiga a investigação, ele convida o observador a mexer em portas, gavetas e caixas, manufaturadas pela artista, contendo memórias de uma vida inteira.

A princípio, parece que elas estão ali para revelar a artista, mas quanto mais você mexe, mais percebe que tudo está escondido e mascarado. A impressão que terá acesso é só impressão. Um universo particular da artista, mas ao mesmo tempo não só particular, ele é também publico. A sensação é que este lugar é de todos, como se não estivéssemos mais falando da Adriana e sim do homem e como ele traz para o mundo a sua vida.
Adriana Affortunati. O que me invento, 2007-08

A relação provocada pelo espaço nos remete a alguns conceitos próprios do ser humano como o sentir, a memória e a consciência. A construção, aparentemente aleatória, tenta organizar o caos destes conceitos como se pudessem ser compartimentados e segmentados.

Adriana Affortunati. Intervenção - Bela Vista, 2008

Construção e reconstrução são palavras que estão muito presentes no trabalho desta artista, porque em todos os momentos ela re-significa, memórias, objetos e lugares. A partir destas reconstruções nos obriga a parar para olhar e pensar. Olhar mais devagar. Pensar mais devagar e nos abrirmos a experiência que a obra nos propicia, fazendo-nos lembrar que somos seres racionais e sensíveis ao mesmo tempo.

Adriana Affortunati. Livro - Um desabafo, 2007-08

http://adrianaaffortunati.blogspot.com/

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Conversas Diáfanas IV

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Nessas "conversas diáfanas" apresentamos uma artista que faz da sua reflexão de vida o seu ofício, tais quais os antigos artíficies. Por tamanha dedicação ao que se propõe como feitura, resolvemos publicar a entrevista que fizemos com ela no seu formato original, como ela nos enviou. Pois como em sua obra, ela compôs as suas respostas com palavras que se combinam em uma trama de ideias formais.

Assim, o formato dessa "conversas diáfanas" sai do original que sempre foi realizado com os demais artistas com sequência a pergunta/resposta e nos rendemos ao formato de Adriana. Abaixo encontram-se as perguntas que sugerimos e em seguida, como a artista respondeu. Aproveitem, saboreiem.
anníbal e branca -
  • Como você definiria um artista plástico?
  • O que te faz criar novas obras? Como é seu processo de criação?
  • Você acha importante pensar no observador durante a criação de suas obras?
  • Seu trabalho como educadora influência como nesta produção?
  • Quais obras de arte que te inspiram? Estas escolhas mudam conforme a sua produção artística?
  • Um artista pode ser considerado como tal sem estar inserido no mercado de arte?
  • Suas Obras têm um aspecto de manufatura, de objeto exclusivo, feito em casa. Esta feitura tem algum relação com patuás ou objetos de proteção, como se protejesse sua identidade (sua e do próprio objeto)?
Adriana Affortunati -

Já sabemos serem perguntas não respondíveis, mas discutíveis. Perguntas que fazem parte deste fazer...
Agradeço a oportunidade de parar para pensar sobre estas questões.


Fax símile do texto original com as respostas da artista, datilografado


...criar novas obras...


Tantas coisas estimulam o fazer. Muitas vezes nem sei de onde vem, mas de repente preciso pegar em alguma coisa, costurar, escrever; necessidade física mesmo, de usar as mãos. Um certo desejo pelo movimento e ritmo que se cria neste fazer... . E às vezes me parece necessidade emocional. Vontade de pôr pra fora, expor tudo isso que este ser-esponja que é o artista, acumulou. Necessidade de organizar tudo isso que absorvo e questiono.

Não sei quando considero um trabalho uma obra. Acho que não chego a considerar. São exercícios, propostas, experiências.. são fragmentos de um processo continuado. Mas chega um momento neste construir que o trabalho se faz mostrável,... ainda que pudéssemos continuar trabalhando, podemos já mostrar.

Este construir é feito de escolhas...

E me parece, que todas as escolhas que fazemos são de algum modo, coerentes. Mesmo quando se trata de coisas cotidianas ou aparentemente sem significado.

E este fazer artístico traz o eu que faz em cada detalhe. E o outro que vê, quando se identifica, transforma em detalhe de si.
Ainda que estes trabalhos não acabem, precisam da troca com o espectador.

...pensar no observador...

O espectador participa, transforma, dá sentido... legitima.

Pra mim um observador – e pode ser qualquer pessoa – é um ‘instrumento’ de medida.
Se enquanto mostro um trabalho a alguém, sentir a necessidade de explicar, de justificar ou ficar envergonhada, sei que o trabalho não está bem resolvido.

Saber do espectador enquanto trabalho me ajuda a organizar o que faço de modo a ampliar as possibilidades de leitura – não ser óbvio quando não for a intenção, nem dar uma leitura já fechada. Muitas vezes foi importante na decisão de títulos, por exemplo.

Talvez os trabalhos passem por espécies de finalizações temporárias... períodos em que se pára de intervir ou de pensar a construção do trabalho. E o momento de mostrar, não só em exposições; são, muitas vezes, breves momentinhos de finalizações; quando se mostra a alguém é como se suspendêssemos o tempo daquele trabalho.

Acredito que o espectador tem um papel muito mais importante do que o que lhe é colocado. E talvez para mudar isso, os modos de expor devam se atualizar. Não acho que exposições nos modelos que conhecemos favoreçam a relação de troca que deve-se estabelecer com este espectador.


O trabalho como educadora...

Como dizia antes, acredito que ser artista é um modo de ver o mundo; Ser educadora me mudou completamente, acho. Em exposições estamos diante as obras! Durou um ano. Que ano intenso! Ampliaram-se todas as possibilidades. Mexeu em minha noção de tempo (7 minutos hoje, para mim, são bem mais longos do que 5) confiança, postura e até respiração. Entende? Não estou falando apenas de repertório de leitura de obras e jogo de cintura, se bem que tudo isso agente desenvolve também bastante.
Bem, com isso quero dizer que se me muda como pessoa, provavelmente muda meu modo de pensar o mundo e, portanto de trabalhar com a matéria. Ter contato próximo com os processos de montagem e visitação também traz muita reflexão e estímulo
Influenciou o modo como visito exposições e a importância que dou à troca e à leitura de obras.

Desde fevereiro deste ano, trabalho com crianças de 6 anos. No ateliê elas mergulham na tinta, se esparramam, pintam os braços... . Eu sempre neguei a pintura. Há anos não pintava. Outro dia juntei 3 papéis grandes e pintei no chão com os dedos e as mãos. Enfrentei a pintura. Essa influência é deliciosa. As crianças não vêem empecilhos.

...obras que inspiram...; as escolhas mudam..?

Quando vou a exposições percebo que dois tipos de obra me inspiram. (As outras só insisto leitura quando estou disponível a estudar e não a experienciar – se é que podemos separar desta forma.
Alguns trabalhos me tocam como pessoa, emocionalmente, e quando algo me toca emocionalmente, naturalmente me inspira... em diversos aspectos, inclusive no fazer artístico.
Outros trabalhos não me tocam emocionalmente, mas racionalmente; quando os elementos usados e/ou a forma de organizá-los, de alguma forma me faz pensar e questionar o meu fazer. E me traz aquela urgência de pôr a mão na massa.

Adotamos alguns artistas como mestres... ou ao menos, referências que de tanto em tanto escolhemos ter contato, pesquisar, visitar..
Não sei se chegam a mudar com o tempo, não lembro de ter deixado de gostar do trabalho de um artista, mas a lista aumenta. E os interesses e as prioridades mudam.

... pode ser artista sem estar inserido...?

Acredito que dependa do caso e do entendimento de arte que se tenha. Não posso dizer que não é arte por não estar inserido; Bispo, um dos primeiros de minha lista de referências, não estava inserido. E acredito que, ainda quem não tenha intenção de mostrar em exposições, pensa o observador (ainda que este seja ele mesmo em alguns anos- seu eu futuro).
Há bastante tempo, cabe em exposições tradicionais o processo do artista. Pena que muitas vezes isso não é bem explicado e aparece na mesma posição de obras e ninguém entende nada.
Independente do julgamento que se tem de um trabalho, se alguns – quem fez, quem expõe – dizem ser arte, como dizer não ser? Posso apenas dizer que não aprecio ou achar um trabalho ruim, mal resolvido.
Gosto do pesamento em O ato criador de Marcel Duchamp

O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.

E estar inserido não é garantia de trabalho de qualidade, sabemos bem.

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29 de maio de 2009

CURSO DE HISTÓRIA DA ARTE - ARTE MODERNA

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MOVIMENTOS DA ARTE MODERNA: HISTÓRIA E PROCESSOS DE CRIAÇÃO
OBJETIVO: O curso será uma introdução à história da Arte Moderna e seus processos de criação, por meio das teorias dos movimentos de vanguarda e de suas propostas criativas, dando ênfase aos aspectos estéticos e psicológicos da produção desses artistas.
METODOLOGIA: O método de trabalho focará na história da arte e na teoria desses movimentos e destacará os seus principais artistas. Dinâmicas de criação, individuais e em grupos, ajudarão os alunos a compreenderem esses movimentos.
PÚBLICO ALVO: Professores, estudantes de arte, pessoas interessadas em ampliar conhecimentos em artes visuais e história da arte.
CERTIFICADO: Será conferido pela
Universidade Cruzeiro do Sul e o Grupo Labmind.
MÓDULOS: serão 4 encontros:
- O que é modernismo? As vanguardas.
- Pós-impressionismo e Expressionismo.
- Cubismo e Arte Abstrata.
- Dadaísmo e Surrealismo.
Professores:
Marcelo Maluf é Mestre em Artes Visuais e graduado em Licenciatura plena em Artes Plásticas pela Unesp, escritor e músico. Daniela Pinotti é Mestre em Artes Visuais pela Unicamp, graduada em Psicologia pela PUC/SP, psicóloga clínica e escritora.
Início: Quartas-feiras. A partir de 3 de Junho. Das 19h às 22h.
Duração: 4 semanas.
Carga horária: 12 horas.
Local do Curso:
Espaço Cultural Terracota
Avenida Lins de Vasconcelos, 1886 - São Paulo - SP.

Inscrições e outras informações pelo Tel: 2645-0549
ou e-mail:
labmind@labmind.com.br
Investimento total: R$150,00.

18 de maio de 2009

DO ADOLESCENTE AO HOMEM - um olhar sobre o trabalho de Mauro Piva

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Mauro Piva. O hábito (3), 2006, óleo sobre tela, 103 x 100 cm.
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Quem é este que não se apresenta?
Quem é este que se olha sem se ver?
Quem é este que se mantém imerso em seu próprio universo?
Juvenil, rebelde, contrariador, liberto, libertário, indomável, aprisionado, contraditório. Acima de tudo, humano.
Adolescente esquivo, traumático em seu mundo único formado por histórias auto inventadas e auto preservadas a dolorosas reminiscências.
O rebelde de Caio Fernando Abreu, o liberto de Kerouac, o romântico de Sean Penn.

Mauro Piva. Sem Título, 2006, óleo sobre tela, 64 x 84 cm.

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Este adolescente um dia crescerá?
Um dia contará memórias?
Um dia dirá seus desejos?
Um dia se libertará do comum?
Se o fizer, é bem possível que encontre um outro par que também vela sua face ao mundo.
O que dizer desse ser enquadrado em seu plano limitado. O que podemos perceber do adolescente de Mauro Piva. Do seu modo fugidio de encarar o observador, da sua cumplicidade em momentos íntimos, de sua felicidade e agonia partilhadas.
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Mauro Piva. Pára, 2008, Aquarela sobre Papel, 32,6 x 26,2 cm.
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Simultaneamente é um personagem que acompanhamos em sua trajetória. Um amigo com quem dividimos suas experiências. A imagem refletida que nos apresenta a nós mesmos.
Por vezes, Piva se aproxima do pintor belga, Magritte. Seu surrealismo é pessoal e universal e o espelho que está presente pode ser para quem está na frente, mas que nem sempre quer se enxergar.

Conversas Diáfanas III

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anníbal e branca - Como você definiria um artista plástico?
Mauro Piva - Artista Plástico é um profissional que, independente da mídia, trabalha com conceitos antes de tudo. Aí está a sua diferença para um artista decorativo ou alguém que use a arte como um hobby. O Conceito no trabalho é o que diferencia o artista plástico.
Um bom artista, independente de tentar despertar emoções, contar histórias, questionar, provocar, é um profissional que, embasado conceitualmente, cria uma obra que possa se comunicar de diferentes maneiras com diferentes pessoas, cria obras "abertas".
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ab - O que te faz criar novas obras?
MP - A vida e a necessidade de falar das coisas que acontecem, aconteceram e acontecerão; seja comigo, com pessoas próximas, com pessoas que não conheço. Um artista, pra mim, é um editor da realidade. Ele absorve milhões de informações, idéias, sentimentos e conceitos, e devolve (de alguma maneira) ao mundo o que acha que deve, o que sente prazer em devolver, questões que acha que valem a pena serem perguntadas, etc. Mas sempre com um pouco de si.
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ab - Como é seu processo de criação?
MP - Apesar de eu ser muito metódico, não tem muita regra. Às vezes fico "maquinando" até conseguir o que quero, outras vezes a coisa simplesmente acontece. O que eu acho mais importante, e tento fazer, é estar sempre "aberto" para o mundo. Às vezes tem tanta coisa em volta e acontecendo que a gente nem percebe. Não saio de casa sem meu caderno de esboços e uma máquina fotográfica, mesmo que esta seja a do celular. Por falar em caderno de esboços, eu tenho muitos, muitos mesmo. Trato deles com o maior carinho. Ali é o primeiro registro de quase tudo o que eu faço, só não digo que é onde tudo começa porque é na cabeça, processando os estímulos que recebo, mas é na maneira de devolvê-los, que o bicho pega.
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ab - Você acha importante pensar no observador durante a criação de suas obras?
MP - Sim! Sem o observador a obra não acontece, ela precisa ser vista, sentida. É necessário que exista algum tipo de comunicação entre as duas partes.
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ab - Quais obras de arte que te inspiram? Estas escolhas mudam conforme a sua produção artística?
MP - São muitas, e de tempos em tempos, percebo que estou olhando muito para alguns artistas que não olhava muito antes. Acho que tem uma relação com o momento que eu estou passando, com o que estou produzindo, pesquisando.
Existem, porém, artistas que não consigo parar de olhar, pesquisar, admirar, independente do meu momento e do que estiver produzindo. São eles: Rembrandt, Vermeer, Van Gogh, e para sair da Holanda e viajar para a nossa época, tem a Elizabeth Peyton e Julian Opie(1).
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(1) Obras de Elizabeth Peyton e Julian Opie no final da entrevista.
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ab - Um artista pode ser considerado como tal sem estar inserido no mercado de arte?
MP - Sim, desde que ele consiga de alguma maneira fazer o trabalho dele entrar um contato com as pessoas.
Aí, podemos pensar -"Ah, o Van Gogh morreu sem ter vendido uma única tela, sem ter exposto seus trabalhos, sem nenhum reconhecimento!”.
Realmente isso ocorreu, mas foi só quando as obras dele "entraram em contato" com o público, seja de galeristas, colecionadores, e apreciadores em geral, que ele obteve o reconhecimento que merecia.

Elizabeth Peyton. Georgia (after Stieglitz), 2006, Nanquim com água tinta, 76,2 x 55,9 cm.

Julian Opie. Leanne and Ed lift, 2008.


Julian Opie. Yayoi relaxes in the gardens, 2009.

13 de maio de 2009

Figurinhas Carimbadas

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Idas e Vindas.
Repetições variadas.
Variações semelhantes.
Alguns pares de vezes nós - anníbal e branca – debatemos sobre a validade das repetições. Das repetições em estilos, em temas, em linguagens e, até mesmo, na repetição de obras. Nessa discussão englobamos também as produções de outros artistas, as relações entre as produções, seus temas e a proximidade que existe entre eles. Os elementos pictóricos emergidos se transmutam - de orgânicos a geométricos, ou ainda, híbridos -, e muitas vezes são apropriados com cores deveras semelhantes, o que nos assusta de tão pouco distanciamento que há. Serão tendências artístico-estilísticas, fórmulas aprovadas e garantidas ou repetições de uma mesma variante? Seriam figurinhas carimbadas?
Quanto a nós – para contradizermo-nos -, sim. Somos figurinhas que nos repetimos, nos renovamos ou, pelo menos, nos revisitamos.

Coleção História da Arte Anníbal e Branca, 2009
Políptico Fotográfico (9 painéis),
40 cm x 28 cm (cada painel) - 148 cm x 100 cm (total)

A obra Coleção História da Arte Anníbal e Branca* nasceu como grandes pôsteres, daqueles que são fixados nas paredes posteriores das bancas de jornal. Passou por mudanças estéticas, simplificadoras e dimensionais; tornou-se Presente para Yoko, onde todas as imagens couberam em uma pequena caixa de fósforo. A coleção transformou-se em delicado souvenir, uma exposição ambulante e itinerante num minúsculo compartimento (Reconhecível? Não são coincidências, são referências).
Agora, torna-se reincidente em sua expressão, retorna à parede.
Não mais como cartazes que estão a público, nem como figurinhas que foram guardadas com muito zelo para que não se perdessem. Mas sim como folhas destacadas de um álbum, como um troféu orgulhoso do preenchimento dos espaços vazios que são difíceis de completar. Quanto às figurinhas, diversão infantil, são simplificadoras nas suas definições como tantas teorias que foram tecidas para compartimentar os seus conhecimentos.

*A obra Coleção de História da Arte Anníbal e Branca participará do 8º Salão Nacional de Arte de Jataí – Goiás, que se realizará no período de 26 de maio a 28 de agosto de 2009.

7 de maio de 2009

Contém Edulcorante*, exposição de Rogério Degaki

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Nome muito sugestivo para uma exposição em que as peças são extremamente coloridas e ao primeiro olhar sedutoras. Contudo ao acostumarmos com estas formas fantásticas, que lembram desenhos fofinhos e sedutores se apresentam simultaneamente a monstros bizarros. Então, a relação que temos com o doce artificial se faz presente.



Talvez seja por isso que é inevitável a comparação entre as peças e o nome da exposição. Talvez também seja o nosso hábito de nomear e categorizar as coisas que por vezes possa tornar a apreciação das obras um tanto quanto óbvia. Mas quem sabe não seja essa a provocação do artista, fazer-nos questionar sobre a falsidade das coisas com essa redundância que ocorre entre a nomenclatura e o objeto. A questão da artificialidade se faz presente. As coisas que são quimicamente doces, falsamente atrativas.


Bem provável que as obras de Rogério Degaki sejam forçadamente fofinhas e coloridas para pensarmos quanto o nosso mundo é falso de idéias, de opiniões, daquilo que é a princípio atrativo, porém que em seu âmago esconde o que a de mais perverso existe em nossa sociedade: a lei das aparências, a frieza do consumo, a busca incessante do novo.


O que percebemos é que as formas destas esculturas estão de alguma maneira exageradas e exaustas, elas cansaram de fingir, de ficarem em uma pose, agora simplesmente são o que são, com escorridos, surgindo de baldes, desabrochando de quadrados e virando margaridas.
Elas são o que são, basta saber o que elas serão para você.

*As obras apresentadas acima pertencem à exposição "Contém Edulcorante", de Rogério Degaki, cuja abertura ocorre no sábado dia 09 de maio na Galeria Triângulo. As imagens foram cedidas pelo próprio artista.

Conversas Diáfanas II

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anníbal e branca - Como você definiria um artista plástico?
Rogério Degaki - Quando me perguntam o que é ser um artista plástico, respondo que é uma profissão como outra qualquer. Requer disciplina, trabalho, dedicação, etc.
O fato de lidarmos em um campo não-concreto, em que a criação não necessariamente resulte em um produto, cria uma aura romântica; a aura do artista que olha uma tela em branco e com um gesto resolve as mazelas do mundo!
O artista se utiliza de elementos abstratos como sensibilidade, criatividade, talento, etc... Mas, como já dito, como em qualquer outra profissão o trabalho não se desenvolve se não houver dedicação e persistência, ou seja, se não colocar a "mão na massa".
Para alguns de meus familiares (imigrantes que vieram "ganhar" a vida no Brasil) quando estou fazendo pesquisa ou estudando para algum trabalho novo, a percepção que possuem é que o que estou realizando não é trabalho!
A relação de sucesso com esforço é muito comum!
E isso geneticamente acaba se revelando no meu trabalho, curto o apreço pelo fazer, tanto que a "coisa" da manufatura manual faz parte da conceitualização e da minha pesquisa. O manual que parece industrial.
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ab - O que te faz criar novas obras? Como é seu processo de criação?
RD - Sou de uma geração em que a MTV, apareceu durante minha adolescência e sua influência era inevitável, bem como o "zapping" e a velocidade de informações e imagens dos videoclipes.
Toda essa gama de imagens faz parte do meu processo de repertório aleatório de referências - uma vestimenta, um desenho, uma estampa, uma atitude -; tudo acaba sendo material para minha criação.
Da mesma forma que essas imagens chegam aos montes, a necessidade de exteriorizar isso em forma de trabalho se faz imprescindível.
Ando com um caderno de rascunho, onde faço anotações, desenhos, observações, recortes, etc. Com estas referências elaboro imagens para meus desenhos, pinturas e esculturas. Tenho notado que quando transformo meus desenhos em esculturas, o bidimensional para o tridimensional, ele se transforma e, por muitas vezes, acabo me surpreendendo com o resultado. Essa transformação tem me motivado a trabalhar cada vez mais.
Decidir um membro da escultura, o tamanho, a cor, um adereço... E como o espectador vai se relacionar com isso é muito motivador.
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ab - Você acha importante pensar no observador durante a criação de suas obras?
RD - Sempre me importo com o espectador. A origem do trabalho que venho realizando se deve a uma discussão que tive com o Nelson Leirner em um workshop.
Ele afirmava que a arte era para uma parcela da sociedade instruída e não para todos. Discordei, pois acho que mesmo sem um grau de erudição, existem outras formas de "entrada" para uma obra de arte.
Ele me mostrou que o trabalho que vinha fazendo relacionado à História da Arte, era o trabalho mais hermético que ele conhecia, pois a imagem sem o conhecimento prévio, não fazia o trabalho.
Após uma crise, passei a pensar na estética fácil como base da conceitualização. Quando digo estética fácil penso em imagens que a princípio seduz qualquer observador, um exemplo para esta estático posso citar um trabalho da Monica Nador que conheci, o trabalho se consistia em fotos de filhotes de gatinhos - típico de calendário popular - e o apelo daquela imagem era o trabalho artístico em si.
Voltei minha pesquisa para os objetos e imagens que, no Japão, usam o termo “kawai” ou traduzido, fofinho e engraçadinho. Imagens infantis usadas para atrair atenção sejam para fins publicitários e comerciais ou para placas de sinalização de perigo. A relação do público adulto com essas imagens escapistas e caricatas é parte da proposta do meu trabalho junto ao espectador.
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ab - Quais obras de arte que te inspiram? Estas escolhas mudam conforme a sua produção artística?
RD - Acho que hoje tenho inspiração de alguns artistas, ou na formação da minha poética, ou proximidade estética. Acredito que as escolhas mudam e estas são agregadas e descartadas conforme o passar do tempo e a direção do trabalho em si.
Já ouvi algumas vezes que meu trabalho parece com o de fulano ou o de outro. Mas como expliquei acima, sou de uma geração que é bombardeada de informações comuns e acesso fácil a elas, seria muita pretensão querer ficar imune às imagens diárias recebidas e considerar-me o único afetado por tais informações.
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ab - Um artista pode ser considerado como tal sem estar inserido no mercado de arte?
RD - Sim.

22 de abril de 2009

Antíteses Emocionais, o trabalho de Rodolpho Parigi

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Rodolpho Parigi. Forma de Luna, 2006, Fotográfia digital e óleo sobre tela, 20 x 40 cm.
Coleção Camila Belchior, São Paulo, Brasil


Quando pensamos em uma palavra, sensações nos remetem automaticamente. Ainda mais quando solta ao ar, sem conexões previstas ou predeterminadas. Soltaremos uma ao léu. E desenvolveremos uma idéia sobre ela. Antes de ler o texto abaixo, faça suas relações, estabeleça as conexões e depois perceba o que há de comum e distinto entre estas e as nossas.

Útero.

O órgão feminino que primeiro nos acomoda. Sem mesmo a intenção da própria maternidade exercida pela incubadora, ele nos recebe e conforta. As primeiras sensações são de receptividade e acolhimento. O olhar poético e afetivo sobre ele e às associações a gestação feminina nos é agradável.
Se associarmos ao ato procriador ou o que leva a ele, evoca a eterna tentativa de conquista do masculino sobre o feminino. Do ato sexual, cru e violentador – sem a conotação criminosa -, da busca do íntimo, desconhecido e inacessível que o feminino contém pela força física e bruta do coito. A intangível dominação do forte sobre o sensível e o fascínio que este proporciona. A presença do incabível, o erótico e o materno no mesmo espaço. Um emaranhado de redes sentimentais que leva à vertigem e a explosão de sentimentos contínuos e simultâneos.


Rodolpho Parigi. Papel 3, 2008, Nanquim sobre papel, 261 x 150 cm.
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Por último, o órgão em si. Exposto como ele é, carnal, sanguíneo, patológico e vital. A imagem vermelha do nosso interno. O raio X, a tomografia, a imagem do nosso corpo aberto e escancarado.Cremos que a obra de Parigi cerca-se de sensações bem próximas das descritas acima.
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Rodolpho Parigi. Blue Violet 1, 2006, óleo sobre tela, 130 x 200 cm.
Coleção Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo.
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Antíteses para uma mesma palavra. Sensações antagônicas e complementares para a mesma imagem. Ora o nu e cru são entregues ao sublime e contemplativo como na obra Forma de Luna de 2006; ora os sentimentos estão emaranhados em imagens orgânicas como na série Papel de 2008 ou ainda a sensação de prolixidade perceptiva provocada pela profusão de cores em alguns trabalhos (séries Blue Violet e Limite) é substituída pelo desenho intenso das linhas pretas sobre o suporte branco (série Apropri­_Ação).
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Rodolpho Parigi. Limite 1, 2006, tinta serigráfica, acrílico e óleo sobre tela, 200 x 160 cm.
Coleção Adriana Varejão e Bernardo Paz, BH, Brasil
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Sua obra traz referências estilísticas tão divergentes quanto os sentimentos causados: barroco e neoclássico, romântico e realista, pop e op artes... Transita livremente entre as imagens, as sensações e os elementos formais. Bem possível que a habilidade que possua esteja nesta liberdade contemporânea de transitar entre o que seria improvável.
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Rodolpho Parigi. Apropri_Ação 9, 2007, tinta acrílica sobre parede, 275 x 480 cm.
Trabalho realizado no Jockey Club do Rio de Janeiro, Brasil.
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