17 de junho de 2009

Racionais e Sensíveis, o trabalho de Adriana Affortunati

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Adriana Affortunati. O que me guardo, 2007

A experiência, a possibilidade que algo que nos passe ou nos aconteça...requer um gesto de interrupção.....parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender opinião, suspender o juízo, suspender a vontade...cultivar a atenção...
Jorge Larrossa

Adriana Affortunati. O que me invento, 2008

As palavras de Larrossa são a melhor maneira de descrever a sensação proporcionada pela obra O que me invento, 2008 de Adriana Affortunatti. Um espaço que instiga a investigação, ele convida o observador a mexer em portas, gavetas e caixas, manufaturadas pela artista, contendo memórias de uma vida inteira.

A princípio, parece que elas estão ali para revelar a artista, mas quanto mais você mexe, mais percebe que tudo está escondido e mascarado. A impressão que terá acesso é só impressão. Um universo particular da artista, mas ao mesmo tempo não só particular, ele é também publico. A sensação é que este lugar é de todos, como se não estivéssemos mais falando da Adriana e sim do homem e como ele traz para o mundo a sua vida.
Adriana Affortunati. O que me invento, 2007-08

A relação provocada pelo espaço nos remete a alguns conceitos próprios do ser humano como o sentir, a memória e a consciência. A construção, aparentemente aleatória, tenta organizar o caos destes conceitos como se pudessem ser compartimentados e segmentados.

Adriana Affortunati. Intervenção - Bela Vista, 2008

Construção e reconstrução são palavras que estão muito presentes no trabalho desta artista, porque em todos os momentos ela re-significa, memórias, objetos e lugares. A partir destas reconstruções nos obriga a parar para olhar e pensar. Olhar mais devagar. Pensar mais devagar e nos abrirmos a experiência que a obra nos propicia, fazendo-nos lembrar que somos seres racionais e sensíveis ao mesmo tempo.

Adriana Affortunati. Livro - Um desabafo, 2007-08

http://adrianaaffortunati.blogspot.com/

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Conversas Diáfanas IV

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Nessas "conversas diáfanas" apresentamos uma artista que faz da sua reflexão de vida o seu ofício, tais quais os antigos artíficies. Por tamanha dedicação ao que se propõe como feitura, resolvemos publicar a entrevista que fizemos com ela no seu formato original, como ela nos enviou. Pois como em sua obra, ela compôs as suas respostas com palavras que se combinam em uma trama de ideias formais.

Assim, o formato dessa "conversas diáfanas" sai do original que sempre foi realizado com os demais artistas com sequência a pergunta/resposta e nos rendemos ao formato de Adriana. Abaixo encontram-se as perguntas que sugerimos e em seguida, como a artista respondeu. Aproveitem, saboreiem.
anníbal e branca -
  • Como você definiria um artista plástico?
  • O que te faz criar novas obras? Como é seu processo de criação?
  • Você acha importante pensar no observador durante a criação de suas obras?
  • Seu trabalho como educadora influência como nesta produção?
  • Quais obras de arte que te inspiram? Estas escolhas mudam conforme a sua produção artística?
  • Um artista pode ser considerado como tal sem estar inserido no mercado de arte?
  • Suas Obras têm um aspecto de manufatura, de objeto exclusivo, feito em casa. Esta feitura tem algum relação com patuás ou objetos de proteção, como se protejesse sua identidade (sua e do próprio objeto)?
Adriana Affortunati -

Já sabemos serem perguntas não respondíveis, mas discutíveis. Perguntas que fazem parte deste fazer...
Agradeço a oportunidade de parar para pensar sobre estas questões.


Fax símile do texto original com as respostas da artista, datilografado


...criar novas obras...


Tantas coisas estimulam o fazer. Muitas vezes nem sei de onde vem, mas de repente preciso pegar em alguma coisa, costurar, escrever; necessidade física mesmo, de usar as mãos. Um certo desejo pelo movimento e ritmo que se cria neste fazer... . E às vezes me parece necessidade emocional. Vontade de pôr pra fora, expor tudo isso que este ser-esponja que é o artista, acumulou. Necessidade de organizar tudo isso que absorvo e questiono.

Não sei quando considero um trabalho uma obra. Acho que não chego a considerar. São exercícios, propostas, experiências.. são fragmentos de um processo continuado. Mas chega um momento neste construir que o trabalho se faz mostrável,... ainda que pudéssemos continuar trabalhando, podemos já mostrar.

Este construir é feito de escolhas...

E me parece, que todas as escolhas que fazemos são de algum modo, coerentes. Mesmo quando se trata de coisas cotidianas ou aparentemente sem significado.

E este fazer artístico traz o eu que faz em cada detalhe. E o outro que vê, quando se identifica, transforma em detalhe de si.
Ainda que estes trabalhos não acabem, precisam da troca com o espectador.

...pensar no observador...

O espectador participa, transforma, dá sentido... legitima.

Pra mim um observador – e pode ser qualquer pessoa – é um ‘instrumento’ de medida.
Se enquanto mostro um trabalho a alguém, sentir a necessidade de explicar, de justificar ou ficar envergonhada, sei que o trabalho não está bem resolvido.

Saber do espectador enquanto trabalho me ajuda a organizar o que faço de modo a ampliar as possibilidades de leitura – não ser óbvio quando não for a intenção, nem dar uma leitura já fechada. Muitas vezes foi importante na decisão de títulos, por exemplo.

Talvez os trabalhos passem por espécies de finalizações temporárias... períodos em que se pára de intervir ou de pensar a construção do trabalho. E o momento de mostrar, não só em exposições; são, muitas vezes, breves momentinhos de finalizações; quando se mostra a alguém é como se suspendêssemos o tempo daquele trabalho.

Acredito que o espectador tem um papel muito mais importante do que o que lhe é colocado. E talvez para mudar isso, os modos de expor devam se atualizar. Não acho que exposições nos modelos que conhecemos favoreçam a relação de troca que deve-se estabelecer com este espectador.


O trabalho como educadora...

Como dizia antes, acredito que ser artista é um modo de ver o mundo; Ser educadora me mudou completamente, acho. Em exposições estamos diante as obras! Durou um ano. Que ano intenso! Ampliaram-se todas as possibilidades. Mexeu em minha noção de tempo (7 minutos hoje, para mim, são bem mais longos do que 5) confiança, postura e até respiração. Entende? Não estou falando apenas de repertório de leitura de obras e jogo de cintura, se bem que tudo isso agente desenvolve também bastante.
Bem, com isso quero dizer que se me muda como pessoa, provavelmente muda meu modo de pensar o mundo e, portanto de trabalhar com a matéria. Ter contato próximo com os processos de montagem e visitação também traz muita reflexão e estímulo
Influenciou o modo como visito exposições e a importância que dou à troca e à leitura de obras.

Desde fevereiro deste ano, trabalho com crianças de 6 anos. No ateliê elas mergulham na tinta, se esparramam, pintam os braços... . Eu sempre neguei a pintura. Há anos não pintava. Outro dia juntei 3 papéis grandes e pintei no chão com os dedos e as mãos. Enfrentei a pintura. Essa influência é deliciosa. As crianças não vêem empecilhos.

...obras que inspiram...; as escolhas mudam..?

Quando vou a exposições percebo que dois tipos de obra me inspiram. (As outras só insisto leitura quando estou disponível a estudar e não a experienciar – se é que podemos separar desta forma.
Alguns trabalhos me tocam como pessoa, emocionalmente, e quando algo me toca emocionalmente, naturalmente me inspira... em diversos aspectos, inclusive no fazer artístico.
Outros trabalhos não me tocam emocionalmente, mas racionalmente; quando os elementos usados e/ou a forma de organizá-los, de alguma forma me faz pensar e questionar o meu fazer. E me traz aquela urgência de pôr a mão na massa.

Adotamos alguns artistas como mestres... ou ao menos, referências que de tanto em tanto escolhemos ter contato, pesquisar, visitar..
Não sei se chegam a mudar com o tempo, não lembro de ter deixado de gostar do trabalho de um artista, mas a lista aumenta. E os interesses e as prioridades mudam.

... pode ser artista sem estar inserido...?

Acredito que dependa do caso e do entendimento de arte que se tenha. Não posso dizer que não é arte por não estar inserido; Bispo, um dos primeiros de minha lista de referências, não estava inserido. E acredito que, ainda quem não tenha intenção de mostrar em exposições, pensa o observador (ainda que este seja ele mesmo em alguns anos- seu eu futuro).
Há bastante tempo, cabe em exposições tradicionais o processo do artista. Pena que muitas vezes isso não é bem explicado e aparece na mesma posição de obras e ninguém entende nada.
Independente do julgamento que se tem de um trabalho, se alguns – quem fez, quem expõe – dizem ser arte, como dizer não ser? Posso apenas dizer que não aprecio ou achar um trabalho ruim, mal resolvido.
Gosto do pesamento em O ato criador de Marcel Duchamp

O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.

E estar inserido não é garantia de trabalho de qualidade, sabemos bem.

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