16 de agosto de 2009

O Renascentista e O Barroco

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Dois oponentes, duas facções. A afirmação do positivo sobre o negativo. A contestação desgastada do maniqueísmo.
Enquanto um procura a ordem, o segundo busca o caos. Um cerra-se no seu próprio mundo, busca a compreensão de sua existência com espelho invertido do seu modelo idealizado. O outro, mira o externo, o aberto e o universo; passionalmente celebra a existência por si própria, como parte pulsante dela.
Racionalidade e Emotividade.
Incompatibilidade trajetual.
Um, desmantela a ordem para organizar; o outro, determina para libertar.
Ambos caminham firmes, eles fingem a não-existência alheia, como aceitação de si mesmos. Não se comunicam, muito menos coexistem no mesmo encerramento físico. Alimentam a incompatibilidade dos seus gênios.
Picasso e Matisse.
O artista espanhol quebra os paradigmas para estabelecer outros tão normativos quanto os que foram contestados. Já o artista francês aparenta a aceitação, não alardeia as diferenças, as subverte emotivamente.
São “Michelangelos”, linhagem clara.

Michelangelo Buonarroti. ‘Capela Sistina’, 1508-12.


Pablo Picasso. ‘Guernica’, 1937.

Picasso herdou a habilidade do desenho e a sua pintura possui a inquietação camuflada de Buonarroti. A “Sistina[1] de Picasso está localizada na dor racional de “Guernica[2]. Se a morte lhe é incabível em sua obra monocromática, também o é para Adão que olha para seu criador indignado pela não-compreensão da vida e das suas agruras, estampado no teto de Roma. As “mulheres chorando[3] do pintor moderno contêm o desejo incompreensível que esse possui por aqueles seres frágeis, do mesmo modo que os “escravos[4] denotam a força de um sentimento indomável, intrínseco ao pintor italiano, que supera a tesa musculatura de sua obra. O etéreo lhes foge à concepção. Disfarçam suas impossibilidades e limitações perturbadoras na grandiosidade de suas obras[5].

Pablo Picasso. ‘Mulher Chorando’(Femme en Pleurs), 1937.

Michelangelo Buonarroti.

Escravo Morrendo’, 1513-16.

Em contrapartida, Matisse se aproxima de outro Michelangelo. Di Merisi. Vulgo Caravaggio. Ele e Matisse partilham de uma dimensão que lhes é comum, porém distinta dos artistas anteriores, a expressão do pulsar sentimental. Seus personagens são libertos do receio do olhar alheio e, consequentemente, sem censuras limitadoras de sua existência. Tornam-se reais. Suas emoções estão à flor da pele com as cores que lhes representam. Se a “Virgem[6] se acinzenta pela vida que lhe esvai na obra do pintor italiano; as “banhistas[7] de Matisse se inflam da condição oposta, viver intensamente, pela intensidade das cores que preenchem a tez de seus corpos. A condição de vida das personagens e de seus feitores não lhes restringe, ao contrário, amplia os limites de sua existência. Expandem-se escancaradamente provocativos que incomodam aos enclausurados.



Caravaggio. Michelangelo Di Merisi.
A Morte da Virgem’, c.1601-1603.

Contudo, todos os quatro são antagonicamente semelhantes.
Todos eles, gênios. Não, românticos e sim, hábeis.
Hábeis em uma infinidade de ações, de verbos.
Fazem, acreditam, observam, cultivam, associam, ousam, acertam, erram, aprendem, apreendem.
Mas há uma habilidade que possuem em especial. A habilidade da coragem inerente às pessoas que desafiam Cloto, Láquesis e Átropos[8]. A eles é inerente a segurança do conhecimento prévio. De que o que está por vir a eles pertencem e por eles é feito.

Henry Matisse. ‘Luxúria, Calma e Volúpia’, 1904-05.


[1] Michelangelo Buonarroti. ‘Capela Sistina’, 1508-12, afresco. Vaticano, Roma.
[2] Pablo Picasso. ‘Guernica’, 1937, óleo s. tela, 350 x 782 cm. Centro Nacional de Arte Rainha Sofia, Madrid.
[3] Pablo Picasso. ‘Mulher Chorando’(Femme en Pleurs), 1937, óleo s. tela, 84,7 x 73,9 cm. Tate Gallery, London.
[4] Michelangelo Buonarroti. ‘Escravo Morrendo’, 1513-16, mármore, alt. 229 cm. Museé du Louvre, Paris.
[5] Grandiosidade da sua habilidade artística e também das dimensões físicas de suas obras.
[6] Caravaggio. Michelangelo Di Merisi. ‘A Morte da Virgem’, c.1601-1603, Óleo s. Tela, 369 X 245 cm. Museé du Louvre, Paris.
[7] Henry Matisse. ‘Luxúria, Calma e Volúpia’, 1904-05, Óleo s. Tela, 98.5 X 118 cm. Museé National D'art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.
[8] Cloto, Láquesis e Átropos são os nomes das Moiras, filhas de Nix (a Noite), são responsáveis pelo destino dos homens. Tecem, enrolam e cortam o fio de ouro que determina a vida de cada mortal. (Mitologia Grega)

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15 de agosto de 2009

Revisto e Visto (Figurinhas Carimbadas II)

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Revisto e visto.
Como dito e redito, figurinhas carimbadas, estamos aqui, novamente.
Quanta insistência!

O fato é que recebemos um email do 8º Salão de Arte de Jataí, Goiás, sobre a exposição 
que ocorreu e a visitação da obra "Coleção de História da Arte Anníbal e Branca". Conforme a organização, o salão surpreendeu pela quantidade de visitantes à exposição. Ao lado e abaixo apresentamos imagens da obra exposta no salão e o link dos posts colocados no blog da Secretaria da Cultura de Jataí.



Foto da obra "Coleção de História da Arte Anníbal e Branca" na exposição no MAC de Jataí, 2009



















Fotos da visitação à exposição no dia da sua abertura.

13 de agosto de 2009

Cale, Calle! (Uma exposição, uma obra, vários posts)

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Velhos hábitos sempre retornam

Algumas coisas que faço são na contramão da onda vigente. Em outras, sou bem animal adestrado. E eu exemplifico, enquanto em 1982, as filas dobravam a esquina(1) para ver ET de Spielberg, eu ignorava-o. Achava absolutamente ridículo as pessoas irem ao cinema para ver uma história sobre um ser de outro planeta. Uma atitude verdadeiramente adolescente, o que eu era na época. Nesta fase, a maioria dos meus amigos sonhava um dia em ir para os Estados Unidos, de preferência uma cidade bem ostentosa ou notoriamente yuppie, algo entre Miami e Nova Iorque(2), eu por sua vez gostaria de estar sentado no meio das ruínas romanas.
E assim foram: roupas, músicas, sonhos, vontades, desejos, todos na contramão. Isto não é motivo de glória, como qualquer filosofia oriental diria, tem seus vieses e reveses.
Apesar de mais velho, algumas vezes o adolescente volta à tona e retoma velhos hábitos, principalmente com filmes, peças de teatro e exposições. Ocorreu novamente com a exposição de Sophie Calle: “Prenez soin de vous” (Cuide-se), no Brasil interpretado por “Cuide de você”.
Mesmo sendo um apreciador do seu trabalho, já o conhecia anteriormente, resisti a visitar a exposição, afinal tanto a mídia impressa quanto a televisiva causou um estardalhaço tão grande sobre a autora e sua obra que desestimulou a minha vontade de ver a obra. Porém, após três semanas, não tinha como deixar de comparecer, obrigações do ofício.

Paradigmas e boa companhia

Tratei de arranjar boa companhia(3), escolhi um dia ensolarado e empreendi- me à busca de novas percepções. Chegamos ao Sesc Pompéia lembrei-me que era domingo e deparei-me com um ambiente com um número considerável de pessoas dispostas a encontrar o seu lazer semanal (um aparte, eu sempre achei interessante essas quebras de paradigma, uma exposição em ambientes quase praianos, pois essa unidade em particular só falta a areia junto ao espelho d’água que a Lina Bo Bardi fez no interior de um dos ambientes, para assim sê-lo).
Na porta da exposição-instalação, uma cortina preta encerra a diversão e subverte felicidade em seriedade. A parede branca, o pé-direito duplo e o silêncio dos transeuntes estabelecem a ordem esperada em uma instituição museológica. Agora, meros mortais, como eu, prostram-se diante da divindade cultural. Silêncio, Cochichos, Luzes focadas aos pedestais inexistentes e Imagens elevadas sobre as paredes tornam sagrados os pilares do conhecimento.

O Falso Sentimento.

Cerrada entre as paredes, 107 mulheres, ou melhor, 108; ou seria somente uma? Que seja. “Cuide de você”.
Vídeos, uma parede repleta. Fotos de pessoas, atrizes coadjuvantes a uma folha de papel. O que se apresenta são memórias sentimentais. E isso, mulheres em geral, vocês são peritas. Estas são apresentadas continuadamente. Sem interrupções. Respostas e mais respostas. Interpretações.
Sejam por imagens estáticas e produções por pedaços de papéis, sejam por imagens em movimento captadas por um olhar estático.
O que parece é que Sophie Calle quer fazer da câmera o olhar do observador, o visitante da exposição, através de uma fresta de intimidade se confronta com a intimidade alheia. Aparentemente, a intimidade da artista, de Calle, mas não. A intimidade que se vê são das pessoas, das 107 mulheres-intérpretes que assumem o lugar de receptora do agente separador. O e-mail de rompimento de X (4), pseudônimo dado pela artista ao seu ex-companheiro.
Neste momento, eu vi-me absolutamente ludibriado, tanto pela obra quanto pela sua feitora. A dor do rompimento, propulsora do fazer artístico não estava presente. O que via a minha frente eram mulheres que de algum modo em seu íntimo passaram ou passarão pela situação. Um relacionamento de forte envolvimento sendo rompido. O que se apresentava era uma simulação. Um falso sentimento de dor de amor que não existia.

A Boa Interpretação

Entretanto, do mesmo modo que as pré-elaborações esperadas foram desmanteladas, outras percepções foram feitas. Fiquei admirado com alguns dos trabalhos apresentados, possuem uma sensibilidade ímpar. Os mais próximos do sentimento celebrado são, em geral, de intérpretes profissionais. Uma atriz lendo em off, sentada em um banco no meio da multidão que não percebe o seu penar; a bailarina de dança oriental; a clown e sua peculiar apresentação e interpretação e por mais banal que pareça; a italiana, seu tom cômico-dramático e suas cebolas companheiras e Jeane Moreau, lendo a carta como se fosse um personagem teatral a ser decifrado, para citar umas poucas.
Então o questionamento que invadiu a minha cabeça foi, se a autenticidade com o tema, ao meu entender, não foi cumprido, por que a obra é tão divulgada e dissecada tanto pela imprensa quanto pela crítica especializada? Que aura surpreendente o trabalho e a artista possuem para atrair tanta atenção?(5)
Infelizmente, não foi nesta visita que consegui sanar a minha inquietação. Saí da exposição satisfeito, afinal, certos paradigmas pessoais foram quebrados e como apreciador da arte, ver pessoas cúmplices a um trabalho, integradas ao discurso do artista, é um grande estímulo. A arte como linguagem e meio de expressão humana pode ser abrangente a todo ser humano.


Anotações desnecessárias...
(1) Eu sou da época que os cinemas de rua eram a maioria e preferíamo-los aos de locais fechados.
(2) Creio que sou um dos poucos que ainda traduzem os nomes de localizações em território estrangeiro. O que mais me pasma neste assunto, ler em artigos conceituados a semitradução, neste exemplo, New Iorque ou Nova York.
(3) Exposições e peças de teatro são os dois programas que gosto de ir acompanhado, a cumplicidade em participar e os comentários posteriores, para mim, trazem sensações indescritíveis.
(4) Achei interessante a escolha da letra, simbólica assim por dizer. Entre tantas associações: a resposta correta; o mapa da mina; a localização da dor/amor... Contudo a letra X, neste instante, é o gene feminino, que foi subvertido por Calle para representar o masculino.
(5) Afinal, até eu estava lá e posteriormente retornei. (risos)

Méritos devidos...
Ilustração 01 - Still do filme ET de Steve Spielberg de 1982. A atriz Drew Barrymore e o protótipo de silicone com dedinho luminoso.
Ilustração 02 - "Êxtase de Santa Teresa", Bernini (foto de Milthon Mic)
Ilustração 03 - foto de Francesco Catalano
Ilustração 04 - foto do do California Institute of the Arts
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Cale, Calle! (Impressões "Espasmódicas")

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Uma esperneia, outra gesticula.
Uma se silencia, outra se esganiça liricamente.
Enquanto uma atira, outra abraça o travesseiro.

Porém as ações não são só antagônicas em suas relações. Aproximam-se por grupos: analíticas, passionais, agressivas, irônicas, passivas, rejeitadas,...
Todas elas mulheres! Todas Sophie Calle.

Cuide de você. Ela cuida de todas.
Todas fazem Sophie.

Uma obra de gênero. Feminino.
Não, mulher. Não, homem. Sim, feminino.
Feminino, por ser complexo. Segue meandros que o racional do gênero oposto, sócio-cultural ou não, nem por perto passa.

Feminino, por ser verborrágico e silencioso.
Ora os ruídos propositais, ora o silêncio infindável.
Ambos incomodam. Ambos desatinam.
Ambos são “invasivos” e ensurdecedores.
Diz o masculino:
Cale, Calle!

Não se cala, repete imagens.
Repete conceitos.
Sophie é POPCONCEITUALMINIMAL*.
Menos conceitual. Mais pop e minimal.
Dor própria, lembranças alheias.
Ícones femininos, projeção própria.
Repetição formal.


Mídia.