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Velhos hábitos sempre retornam
Algumas coisas que faço são na contramão da onda vigente. Em outras, sou bem animal adestrado. E eu exemplifico, enquanto em 1982, as filas dobravam a esquina(1) para ver ET de Spielberg, eu ignorava-o. Achava absolutamente ridículo as pessoas irem ao cinema para ver uma história sobre um ser de outro planeta. Uma atitude verdadeiramente adolescente, o que eu era na época. Nesta fase, a maioria dos meus amigos sonhava um dia em ir para os Estados Unidos, de preferência uma cidade bem ostentosa ou notoriamente yuppie, algo entre Miami e Nova Iorque(2), eu por sua vez gostaria de estar sentado no meio das ruínas romanas.
E assim foram: roupas, músicas, sonhos, vontades, desejos, todos na contramão. Isto não é motivo de glória, como qualquer filosofia oriental diria, tem seus vieses e reveses.
Apesar de mais velho, algumas vezes o adolescente volta à tona e retoma velhos hábitos, principalmente com filmes, peças de teatro e exposições. Ocorreu novamente com a exposição de Sophie Calle: “Prenez soin de vous” (Cuide-se), no Brasil interpretado por “Cuide de você”.
Mesmo sendo um apreciador do seu trabalho, já o conhecia anteriormente, resisti a visitar a exposição, afinal tanto a mídia impressa quanto a televisiva causou um estardalhaço tão grande sobre a autora e sua obra que desestimulou a minha vontade de ver a obra. Porém, após três semanas, não tinha como deixar de comparecer, obrigações do ofício.
Algumas coisas que faço são na contramão da onda vigente. Em outras, sou bem animal adestrado. E eu exemplifico, enquanto em 1982, as filas dobravam a esquina(1) para ver ET de Spielberg, eu ignorava-o. Achava absolutamente ridículo as pessoas irem ao cinema para ver uma história sobre um ser de outro planeta. Uma atitude verdadeiramente adolescente, o que eu era na época. Nesta fase, a maioria dos meus amigos sonhava um dia em ir para os Estados Unidos, de preferência uma cidade bem ostentosa ou notoriamente yuppie, algo entre Miami e Nova Iorque(2), eu por sua vez gostaria de estar sentado no meio das ruínas romanas.

Apesar de mais velho, algumas vezes o adolescente volta à tona e retoma velhos hábitos, principalmente com filmes, peças de teatro e exposições. Ocorreu novamente com a exposição de Sophie Calle: “Prenez soin de vous” (Cuide-se), no Brasil interpretado por “Cuide de você”.
Mesmo sendo um apreciador do seu trabalho, já o conhecia anteriormente, resisti a visitar a exposição, afinal tanto a mídia impressa quanto a televisiva causou um estardalhaço tão grande sobre a autora e sua obra que desestimulou a minha vontade de ver a obra. Porém, após três semanas, não tinha como deixar de comparecer, obrigações do ofício.
Paradigmas e boa companhia

Na porta da exposição-instalação, uma cortina preta encerra a diversão e subverte felicidade em seriedade. A parede branca, o pé-direito duplo e o silêncio dos transeuntes estabelecem a ordem esperada em uma instituição museológica. Agora, meros mortais, como eu, prostram-se diante da divindade cultural. Silêncio, Cochichos, Luzes focadas aos pedestais inexistentes e Imagens elevadas sobre as paredes tornam sagrados os pilares do conhecimento.
O Falso Sentimento.
Cerrada entre as paredes, 107 mulheres, ou melhor, 108; ou seria somente uma? Que seja. “Cuide de você”.
Vídeos, uma parede repleta. Fotos de pessoas, atrizes coadjuvantes a uma folha de papel. O que se apresenta são memórias sentimentais. E isso, mulheres em geral, vocês são peritas. Estas são apresentadas continuadamente. Sem interrupções. Respostas e mais respostas. Interpretações.
Sejam por imagens estáticas e produções por pedaços de papéis, sejam por imagens em movimento captadas por um olhar estático.
O que parece é que Sophie Calle quer fazer da câmera o olhar do observador, o visitante da exposição, através de uma fresta de intimidade se confronta com a intimidade alheia. Aparentemente, a intimidade da artista, de Calle, mas não. A intimidade que se vê são das pessoas, das 107 mulheres-intérpretes que assumem o lugar de receptora do agente separador. O e-mail de rompimento de X (4), pseudônimo dado pela artista ao seu ex-companheiro.
Neste momento, eu vi-me absolutamente ludibriado, tanto pela obra quanto pela sua feitora. A dor do rompimento, propulsora do fazer artístico não estava presente. O que via a minha frente eram mulheres que de algum modo em seu íntimo passaram ou passarão pela situação. Um relacionamento de forte envolvimento sendo rompido. O que se apresentava era uma simulação. Um falso sentimento de dor de amor que não existia.
Vídeos, uma parede repleta. Fotos de pessoas, atrizes coadjuvantes a uma folha de papel. O que se apresenta são memórias sentimentais. E isso, mulheres em geral, vocês são peritas. Estas são apresentadas continuadamente. Sem interrupções. Respostas e mais respostas. Interpretações.

O que parece é que Sophie Calle quer fazer da câmera o olhar do observador, o visitante da exposição, através de uma fresta de intimidade se confronta com a intimidade alheia. Aparentemente, a intimidade da artista, de Calle, mas não. A intimidade que se vê são das pessoas, das 107 mulheres-intérpretes que assumem o lugar de receptora do agente separador. O e-mail de rompimento de X (4), pseudônimo dado pela artista ao seu ex-companheiro.
Neste momento, eu vi-me absolutamente ludibriado, tanto pela obra quanto pela sua feitora. A dor do rompimento, propulsora do fazer artístico não estava presente. O que via a minha frente eram mulheres que de algum modo em seu íntimo passaram ou passarão pela situação. Um relacionamento de forte envolvimento sendo rompido. O que se apresentava era uma simulação. Um falso sentimento de dor de amor que não existia.
A Boa Interpretação

Então o questionamento que invadiu a minha cabeça foi, se a autenticidade com o tema, ao meu entender, não foi cumprido, por que a obra é tão divulgada e dissecada tanto pela imprensa quanto pela crítica especializada? Que aura surpreendente o trabalho e a artista possuem para atrair tanta atenção?(5)
Infelizmente, não foi nesta visita que consegui sanar a minha inquietação. Saí da exposição satisfeito, afinal, certos paradigmas pessoais foram quebrados e como apreciador da arte, ver pessoas cúmplices a um trabalho, integradas ao discurso do artista, é um grande estímulo. A arte como linguagem e meio de expressão humana pode ser abrangente a todo ser humano.
Anotações desnecessárias...
(1) Eu sou da época que os cinemas de rua eram a maioria e preferíamo-los aos de locais fechados.
(2) Creio que sou um dos poucos que ainda traduzem os nomes de localizações em território estrangeiro. O que mais me pasma neste assunto, ler em artigos conceituados a semitradução, neste exemplo, New Iorque ou Nova York.
(3) Exposições e peças de teatro são os dois programas que gosto de ir acompanhado, a cumplicidade em participar e os comentários posteriores, para mim, trazem sensações indescritíveis.
(4) Achei interessante a escolha da letra, simbólica assim por dizer. Entre tantas associações: a resposta correta; o mapa da mina; a localização da dor/amor... Contudo a letra X, neste instante, é o gene feminino, que foi subvertido por Calle para representar o masculino.
(2) Creio que sou um dos poucos que ainda traduzem os nomes de localizações em território estrangeiro. O que mais me pasma neste assunto, ler em artigos conceituados a semitradução, neste exemplo, New Iorque ou Nova York.
(3) Exposições e peças de teatro são os dois programas que gosto de ir acompanhado, a cumplicidade em participar e os comentários posteriores, para mim, trazem sensações indescritíveis.
(4) Achei interessante a escolha da letra, simbólica assim por dizer. Entre tantas associações: a resposta correta; o mapa da mina; a localização da dor/amor... Contudo a letra X, neste instante, é o gene feminino, que foi subvertido por Calle para representar o masculino.
(5) Afinal, até eu estava lá e posteriormente retornei. (risos)
Méritos devidos...
Ilustração 01 - Still do filme ET de Steve Spielberg de 1982. A atriz Drew Barrymore e o protótipo de silicone com dedinho luminoso.
Ilustração 02 - "Êxtase de Santa Teresa", Bernini (foto de Milthon Mic)
Ilustração 03 - foto de Francesco Catalano
Ilustração 04 - foto do do California Institute of the Arts
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Um comentário:
Esse texto é lindo,Aníbal.Foi vc quem escreveu?Bjos, CLAU
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